A Invisível Ameaça Sonora: Proteção Auditiva e a Cultura Musical no Brasil
Em um ensaio de banda, o baterista acerta um break potente, as guitarras disparam em um riff agressivo, e o vocalista grita para testar os limites do equipamento. Em um festival, o sistema de som (PA) atinge picos inesperados, fazendo o público estremecer com a distorção. São cenas comuns no universo musical, mas por trás da energia e da emoção, esconde-se um risco silencioso e irreversível: os traumas auditivos.
A exposição a volumes acima de 85 decibéis — equivalente ao ruído de um trânsito intenso — já é suficiente para causar danos cumulativos à audição. No entanto, em contextos como shows e ensaios, é fácil ultrapassar os 100 ou até 120 decibéis, nível comparável a uma turbina de avião. O perigo está não apenas na exposição prolongada, mas em picos repentinos, que podem romper células ciliadas do ouvido interno, estruturas responsáveis por transmitir sons ao cérebro. Uma única noite de exagero pode gerar zumbidos persistentes (tinnitus) ou perda auditiva precoce, condições que acompanharão o indivíduo pela vida toda.
Enquanto países como Estados Unidos, Canadá e nações europeias normalizaram a venda de protetores auditivos em festivais — muitas vezes distribuídos gratuitamente em postos de saúde —, no Brasil essa prática ainda é rara. Em eventos nacionais, é incomum ver barracas vendendo earplugs ou campanhas de conscientização. A cultura de que “quanto mais alto, melhor” predomina, associando volume excessivo a diversão autêntica. Essa negligência tem consequências: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está entre os países com maior crescimento de casos de perda auditiva induzida por ruído entre jovens.
A falta de acesso a proteção não é o único problema. Há um desconhecimento generalizado sobre os riscos. Músicos amadores, frequentadores de shows e até profissionais subestimam a importância de cuidar da audição até que seja tarde demais. O zumbido pós-show, muitas vezes tratado como “normal”, é na verdade um sinal de alerta do corpo. Enquanto isso, em países com políticas preventivas, o uso de protetores é visto não como frescura, mas como respeito à saúde — tanto que modelos de alta qualidade permitem ouvir a música com clareza, filtrando apenas as frequências nocivas.
Mudar essa realidade exige ação coletiva. Promover a venda de protetores em eventos, como fazem grandes festivais internacionais, é um primeiro passo. Campanhas educativas em escolas de música e redes sociais poderiam desmistificar o tema, mostrando que proteger os ouvidos não diminui a experiência artística, mas a preserva. Afinal, a música é uma paixão que deve durar a vida toda — e isso só é possível se a escutarmos com responsabilidade.
Enquanto o Brasil não abraçar essa cultura de cuidado, continuaremos a trocar a emoção efêmera do volume extremo por um preço caro: o silêncio gradual de uma geração que não soube ouvir os próprios limites.
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